Imagem: Divulgação/Reprodução |
Do DIARIO DE PERNAMBUCO (Luce Pereira)
charlesnasci@yahoo.com.br
Logo no começo da última semana do ano ganhei umas romãs. Seria para, ao comê-las durante a “virada”, entrar em 2016 com os caminhos abertos, longe das pedras que feriram além do esperado. Olhei-as detidamente mais pela beleza do que pela função que supostamente teriam e pensei apenas em como é bom vê-las em dezembro balançando nos galhos finos e fazendo discreta sombra no quintal da casa, à espera dos ansiosos por alguma sorte. Eu nunca consegui enxergar romãs e lentilhas como amuletos, somente porque a lógica e a realidade falam mais alto: se semeamos vento, colhemos tempestade - diz a música, inclusive - e não me constava, àquela altura, que nós brasileiros teríamos crédito, bônus, colheita à vista. Foi um ano de tropeços e pernadas, cheio de equívocos e sentimentos pesados, como então alguma pobre fruta ou mísero grão poderia anular o efeito daquele desmantelo todo?
Não sei, não sou do tipo pessimista por nada, mas tem horas que a esperança balança, mesmo a dos brasileiros, conhecida pela teimosia. De qualquer forma, guardei a romã. Tudo que é dado com a melhor das intenções pode não produzir facilidades, mas traz em si a energia boa do carinho. No fim das contas, a experiência (e só ela) permite que acessemos uma espécie de filtro pelo qual já não passam ilusões comprovadamente ridículas e então fica difícil acreditar na eficiência dos velhos rituais. Se me fosse dada a coragem necessária para colocar em um lado da balança as romãs e as lentilhas que comi nos 31 de dezembro já vividos e no outro os ganhos derivados da tarefa, poderia até acreditar na ocorrência de efeito contrário. Mas, é lógico, se as coisas não andaram às mil maravilhas não pode ser por nada exceto pela combinação de fatores lógicos: cabeçadas, passos errados, escolhas mal feitas.
Enfim, estava resolvida a encarar os fatos, o que significava desistir de dar algum crédito aos rituais de passagem de ano. Com ou sem a “dieta da sorte”, nada mudaria (como até hoje não mudou, ao menos na proporção da aposta feita): o primeiro de janeiro iria amanhecer preguiçoso, as ruas sem trânsito, as areias da praia com bêbados dormindo ao lado de restos de oferenda, o peso das promessas feitas, depois a certeza de que o saldo da intimidade com o consumo não demoraria a bater à porta. Recentemente me ocorreu que a esperança que só espera morre de esperar - e parece ser deste mal que sofre a maioria. Tem fé em que romãs, lentilhas, incensos, querubins e patuás farão o imenso favor de tornar a vida mais leve e agradável, esquecidos de que o dolce far niente não é para ingênuos e sonhadores, mas para gente que passou a vida atracada com os leões do cotidiano.
Creio que nunca ponderei tanto e comi tão pouco durante uma virada de ano. A romã ainda está ali, intacta, rindo da minha ingenuidade de tantos anos; os bêbados na areia, também (semimortos entre restos de oferenda), assim como o silêncio previsível das ruas, a preguiça e a consciência do preço dos excessos com o cartão de crédito. Depois virá o carnaval, a vida pra levar - e é tudo. Mas bem que alguma alma caridosa poderia me fazer um café bem quentinho, agora, porque hoje não é dia de realidade. Hoje, não.
Não sei, não sou do tipo pessimista por nada, mas tem horas que a esperança balança, mesmo a dos brasileiros, conhecida pela teimosia. De qualquer forma, guardei a romã. Tudo que é dado com a melhor das intenções pode não produzir facilidades, mas traz em si a energia boa do carinho. No fim das contas, a experiência (e só ela) permite que acessemos uma espécie de filtro pelo qual já não passam ilusões comprovadamente ridículas e então fica difícil acreditar na eficiência dos velhos rituais. Se me fosse dada a coragem necessária para colocar em um lado da balança as romãs e as lentilhas que comi nos 31 de dezembro já vividos e no outro os ganhos derivados da tarefa, poderia até acreditar na ocorrência de efeito contrário. Mas, é lógico, se as coisas não andaram às mil maravilhas não pode ser por nada exceto pela combinação de fatores lógicos: cabeçadas, passos errados, escolhas mal feitas.
Enfim, estava resolvida a encarar os fatos, o que significava desistir de dar algum crédito aos rituais de passagem de ano. Com ou sem a “dieta da sorte”, nada mudaria (como até hoje não mudou, ao menos na proporção da aposta feita): o primeiro de janeiro iria amanhecer preguiçoso, as ruas sem trânsito, as areias da praia com bêbados dormindo ao lado de restos de oferenda, o peso das promessas feitas, depois a certeza de que o saldo da intimidade com o consumo não demoraria a bater à porta. Recentemente me ocorreu que a esperança que só espera morre de esperar - e parece ser deste mal que sofre a maioria. Tem fé em que romãs, lentilhas, incensos, querubins e patuás farão o imenso favor de tornar a vida mais leve e agradável, esquecidos de que o dolce far niente não é para ingênuos e sonhadores, mas para gente que passou a vida atracada com os leões do cotidiano.
Creio que nunca ponderei tanto e comi tão pouco durante uma virada de ano. A romã ainda está ali, intacta, rindo da minha ingenuidade de tantos anos; os bêbados na areia, também (semimortos entre restos de oferenda), assim como o silêncio previsível das ruas, a preguiça e a consciência do preço dos excessos com o cartão de crédito. Depois virá o carnaval, a vida pra levar - e é tudo. Mas bem que alguma alma caridosa poderia me fazer um café bem quentinho, agora, porque hoje não é dia de realidade. Hoje, não.