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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

OPINIÃO: O coração de Marisa Letícia é senhor do tempo

Foto: Google Imagens/Reprodução
De O GLOBO (Ricardo Noblat)
charlesnasci@yahoo.com.br

O coração da ex-primeira-dama Marisa Letícia ainda batia ao amanhecer de hoje. Não havia mais nenhuma atividade cerebral. Os aparelhos de respiração estavam desligados. Mas tecnicamente a mulher de Lula vive. "O tempo, agora, é dele", comentou o cardiologista Roberto Kalil em uma roda de médicos do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde Marisa Letícia está internada desde a terça-feira da semana passada.

Vítima de um Acidente Vascular Cerebral hemorrágico, em momento algum desde então o quadro clínico de Marisa Letícia apresentou melhoras. Foi considerado irreversível no início da noite de anteontem. Há protocolos médicos a serem cumpridos em ocasiões como essa. E todos estão sendo rigorosamente respeitados. A família Lula da Silva decidiu doar órgãos de Marisa Letícia. As providências a respeito foram tomadas.

O senhor do tempo é o coração. E só depois que ele parar de bater é que a morte de Maria Letícia será anunciada. Depois de ter passado as últimas noites no hospital, Lula foi dormir no seu apartamento em São Bernardo. Ao longo da quinta-feira, ele foi visitado no Sírio por pessoas que não encontrava há bastante tempo. Uma delas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Outra, o presidente Michel Temer.

Cada um deles deixou de fora do hospital suas idiossincrasias pessoais, suas diferenças, comendas e títulos. E Lula os recebeu igualmente despojado de tudo que pudesse separá-los. Sobrou emoção de parte a parte. Lula e Fernando Henrique foram aliados políticos nos anos 80 e depois viraram adversários para sempre. Lula e Temer eram adversários que viraram aliados para se tornarem adversários outra vez.
O ex-presidente Fernando Henrique faz visita ao ex-presidente Lula (Foto: Ricardo Stuckert)
Uma vez no governo e mesmo depois de tê-lo transferido para Dilma, Lula jamais admitiu se aproximar politicamente de Fernando Henrique. Nunca quis conversa com ele. E sempre que pode, espicaçou-o. Com Temer, não. Manteve certa distância dele no seu primeiro governo, mas no segundo os dois se entenderam e o PMDB foi promovido a parceiro preferencial do PT. Assim permaneceu nos governos Dilma.

Não foi por falta de conselhos de Lula que Dilma perdeu a companhia de Temer, duas vezes seu vice. Perdeu por teimosia, desprezo pelos políticos em geral e por alguns deles em particular. A enfermidade de Maria Letícia uniu o que a política separou. Dilma, distante de Lula desde que foi deposta, antecipou sua volta da Europa e desembarcará esta manhã em São Paulo. A dor ensina a cada instante a natureza passageira da vida e o valor relativo das ambições. Mas os fascinados pelo poder não aprendem a lição e desperdiçam oportunidades de exercê-lo melhor para o bem de todos.