DE "O GLOBO" (RJ), POR LETÍCIA LINS - 12 DE SETEMBRO DE 2010
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Tema do vazamento soa incompreensível para eleitor do interior
Mesmo exaustivamente citado no noticiário e nos programas eleitorais gratuitos, o tema da quebra de sigilo de dados fiscais na Receita Federal soa incompreensível para os eleitores, principalmente nos grotões do país.
"Sigilo? Sei que diacho é isso, não. E fiscal que conheço só tem três: o da feira, o da prefeitura e aquele para evitar engenharia fraca na construção de estrada”. A definição do trabalhador rural aposentado José Cabral de Arruda, de 80 anos, reflete bem a forma como os moradores dos grotões do Nordeste passam ao largo da discussão em torno do escândalo do vazamento de informações sigilosas na Receita Federal.
Mesmo exaustivamente citado na programação eleitoral gratuita e no noticiário de rádio e TV, o assunto é considerado muito difícil pela maioria das pessoas abordadas em um raio de 130 quilômetros que separam Recife da pequena cidade de Casinhas, na região agreste. De 50 pessoas consultadas no percurso cortando dez municípios , apenas uma sabia o significado da palavra sigilo. Já sigilo fiscal, ninguém sabia o que era. E quebra de sigilo fiscal, muito menos, exceto o prefeito da cidade e um vereador, que conheciam a expressão.
”Segredo”, afirma a professora Maria José de Jesus Andrade, 46 anos, atrapalhando-se no adjetivo. “Sigilo fiscal é quando alguém fiscaliza algo que é peculiar daquela empresa”.
Com alunos no ensino médio e fundamental, Maria José diz que a discussão sobre o assunto pouco significa para a maioria dos 14.540 habitantes de Casinhas, município que sobrevive da lavoura, do serviço público, dos programas sociais e repasses federais: “Se tenho dificuldade para entender, imagine o povão menos escolarizado”.
”Esses políticos usam palavras muito difíceis. Minha mãe não entende nada. Para mim, quebra de sigilo fiscal é quando alguém entra na intimidade de determinadas normas. Toda empresa tem normas, e alguém desvendar isso é quebra de sigilo”.
O GLOBO saiu de Recife, passou por Camarajibe, São Lourenço, Paudalho, Carpina, Lagoa do Carro, todos na Zona da Mata, onde está a agroindústria açucareira. Depois, foi para Limoeiro, Bom Jardim, João Alfredo, Surubim e por fim Casinhas. Foram ouvidos lavradores, pequenos fazendeiros, motoristas, comerciantes, comerciários, professoras.
Entre elas, a professora-vaqueira Lucélia da Silva Santos, de 21 anos. Residente no sítio Lagoa da Pedra, em Casinhas, na última quarta-feira ela cortava as ruas da cidade em sua carrocinha vendendo leite a R$ 1,30 o litro. Sem televisão em casa, acompanha o noticiário político pelo rádio e confessou que não entende quase nada. E não disfarçou o orgulho por mostrar que sabe o que quer dizer a palavra sigilo: “Sigilo é um quase segredo, alguma coisa que está acontecendo, mas não se pode dizer a certas pessoas. O fiscal é aquele que fiscaliza algo errado que acontece na comunidade”, define, enquanto agita o chocalho para anunciar sua mercadoria.
Residente na área urbana de Casinhas, a professora Valéria Cabral de Farias, 44, também não está entendendo bem a polêmica: “Sigilo é uma coisa que cada um está fazendo lá, e descobrindo falcatruas. E sigilo fiscal é quando se descobre tudo”, diz vagamente.
Comerciante, mãe do vice-prefeito da cidade, Ann Mary Barbosa Leal, 55, também mostrou não saber nem para que lado vai a polêmica: “Sigilo é a descoberta de alguma coisa. E sigilo fiscal é a fiscalização de algo que está coberto. Isso é coisa de campanha política, e todo mundo quer arranjar um jeito de se defender”.
Na contramão do PTB nacional – em Pernambuco o partido apóia a candidata Dilma Rousseff (PT) – , o prefeito João Barbosa Camêlo Neto (PTB) costuma percorrer os povoados de Casinhas pedindo votos para a ex-ministra. E diz que, pelo que tem visto, os eleitores mais humildes não só não culpam Dilma como acham que tudo pode ser estratégia para prejudicá-la. ”O povão não sabe o que significa quebra de sigilo fiscal, mas termina achando que é uma artimanha para prejudicar a candidata de Lula” diz o petebista.
A professora-vaqueira Lucélia Santos faz coro: “Vejo a campanha no rádio. Para mim, é tudo fuxico, mentira grande. Dilma, a mulher de Lula, está ganhando, aí o movimento contra ela fica grande, os políticos do outro lado inventam tudo. O pessoal aqui só vota em quem Lula mandar porque ele aumentou o salário mínimo, deu Bolsa Família. Isso é muito em Casinhas, onde é baixa a qualidade de vida”.
A 70 km de Casinhas, em Lagoa do Carro, o lavrador Edmilson Félix da Silva, 50, não tem idéia da gravidade do crime cometido na Receita. Para ele, tudo não passa de artimanha da oposição (do outro lado) para prejudicar a mulher que o homem quer no lugar dele. A mulher, claro, é Dilma. E o homem é Lula: “Entendo mais ou menos. Não sei o que é sigilo fiscal, mas estou acompanhando na TV. Já ouvi falar. Para mim, isso é para prejudicar Dilma. A mulher vai trabalhar muito, tem capacidade, já sofreu, foi até presa. Hoje as mulheres já sabem mais coisa do que os homens. Como ela está alta (sic) nas pesquisas, estão querendo derrubar ela. Estão botando para atrapalhar. Para mim, essa coisa de sigilo é de quem não sabe perder eleição”.
Em Bom Jardim, a 110 quilômetros da capital, o comerciante José Carlos Pedrosa da Silva, de 36 anos, e os lavradores aposentados Henrique Carlos da Silva, 68, e Manuel Dias de Oliveira, 80, dizem acompanhar o noticiário e o programa eleitoral. Dos três, só o mais novo sabe ler alguma coisa. Os mais velhos não entendem nadinha mesmo. Não sabem nem o que significa sigilo. Mas asseguram que nada disso vai influir no voto. ”O candidato é o que for mais amigo dos mais pobres. O que estiver mais perto de Lula”, explicam.
”Os políticos podem cansar de falar naquelas coisas difíceis, que é o mesmo que falar pra dentro. Pra gente, isso não conta, não”, diz Henrique, que, junto com os outros dois, mora no povoado de Freitas, em Bom Jardim, cidade marcada no passado pela agitação das Ligas Camponesas e onde nasceu o fundador do movimento, Francisco Julião, já falecido.
Como os amigos idosos, o barraqueiro José Carlos mostra não perceber a gravidade das denúncias dos abusos na Receita Federal. Nem sabe para que serve a Receita: “Sei que existe Receita Federal porque quando vou a Recife passo na frente de um prédio com esse nome”.