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sábado, 25 de junho de 2011

As antigas noites de São João

DA REDAÇÃO DO +CASINHAS.COM


charlesnasci@yahoo.com.br


Que tal uma viajada até o tempo dos antigos festejos de São João em nossa região, através da leitura desta belíssima crônica que fui garimpar – mais uma vez – no precioso baú de arquivos da minha querida Diva Guerra?! O texto, como já deu pra perceber, foi escrito pelo filho de Casinhas Dídimo Gonçalves Guerra (i.m.), cujos escritos já me inspiraram anteriormente a realizar um vídeo de curta-metragem. Boa leitura e um feliz São João. 


Noites de São João


– Prepara a lenha e coloca sobre travesseiros grossos que é tarde e está se aproximando a hora. Era a ordem que se ouvia. Ali e acolá escutávamos pancadas e cutiladas no preparo da madeira. A meninada movimenta-se logo, enchendo os terreiros do povoado, rodeando aquelas madeiras que dali a horas se transformariam em cinzas. 


– Vai buscar o abano Maria. Procura cavaquinhos bem secos para auxiliar o fogo, José. Traz tições bem acesos que esquentem a fogueiras, Antônio! Em cada casa estava o seu montículo de lenha sobre o terreiro, esperando a hora aprazada. Os meninos alegres e satisfeitos corriam, brincavam e saltavam, cantando modinhas adequadas às noites que se iam celebrar. Chegavam pressurosos com o material necessário à queima da fogueira. Daí a pouco, só ouvíamos zunidos finos e a estalaria da lenha, como se daquelas hastes misturadas de rolos verdes e secos, postos sobre outros que iam ser tragados pelas chamas que se alastravam, saíssem reclamações.


À proporção que escurecia, apareciam à nossa vista, perto e à distância, tochas acesas, como se fossem grandes e pequenas estrelas, povoando a terra. O povo acreditava, como geralmente se dizia, que São João, nas noites de seu dia, visitava as casas em que se comemorasse e se festejasse o seu nome. E ninguém deixava de fazer a sua fogueira para esperar a visita do Santo. Nenhum era mais poderoso que São João, no dia do seu nascimento. Tudo quanto dele dependesse, devia lhe ser pedido nesse dia. 
Aproximava-se a hora do café. Sobre mesas abastadas, pratos com canjica, pamonha, milho cozido, milho assado e bolos, inclusive pé-de-moleque. A meninada gulosa, apresentava olho grande para o milho assado. Estrondeava a fogueteria de seis da tarde em diante. Os claros, que já ao anoitecer divisávamos ao longe, pareciam ligeiros piscados de vagalumes grandes. De quando em quando, ouvíamos ao longe o ribombar da fuzilaria como se estivesse disputando palmo a palmo uma trincheira ou a tomada de um lugar. Eram os bacamarteiros que se divertiam comandados pelo seu regente. 


Diziam os meninos em algazarras: – Já está na hora! Vamos soltar os nossos fogos? Vamos, vamos! Cada qual que do seu esconderijo trouxesse os seus. Um tição bem vivo era colocado perto, até se esgotarem um a um, os fogos que iam sendo tragados pelo fogo, formando assim, o cortejo alegre da criançada. Aqui, o pipocar do espanta-coió, assustava por se pensar que daquelas pequenas explosões partissem detritos que atingissem a vista. Ali, o chi, chi, chi de mosquitos. Acolá o chiar de rodinhas, presas por alfinetes nas pontas de varas finas. Acolá estrelinhas e chuveiros salpicando flores de luz, como se sobre focos luminosos, saísse chuvas finas. 


Noutra parte, fósforos luminosos transformavam a nossa visão em cores amareladas e esverdeadas e, do outro lado, pistolas com as suas línguas de fogo despejavam, à distância, tochas acesas que sumiam lentamente. A meninada de vez em quando era advertida pelo chá, chá, chá dos busca-pés que passavam. A coisa ia piorar. Ao terminar, cada busca-pé, com a explosão final, ouvíamos logo: Quebrou! Quebrou! Quebrou!... 


Os soltadores desses fogos de artifício não se davam por vencidos. Novos chás, chás, chás eram ouvidos. E aumentavam consideravelmente não só os buscapés como as reclamações daqueles que criticavam a brincadeira. A impressão era de uma verdadeira batalha, pelo números de faixas luminosas que cortavam o ar, cruzando-se e ziguezagueando-se constantemente. Dois grupos disputavam a primazia do terreno. A vitória ficava com quem possuísse maior quantidade de fogos necessários à luta. Por fim, o vencedor abandonava o terreno, em favor da meninada. 


Começavam outras brincadeiras. Dançava-se ali e acolá, ao clarão dos pifós fumacentos a ao som das harmônicas. Cantavam violeiros com voz repuxada e fanhosa ao pinicado sonoro de suas violas. Noutra parte, as cantigas espairavam-se pelo espaço, ouvindo-se emboladas e cocos com o arrastar dos pés dos pares que se umbigavam. Sobre brasas vivas, espalhadas próximas à fogueira, passeavam os mais corajosos e descalços de uma para outra parte. Não se davam por incomodados. 


Muitos aumentavam a fé no poder de São João. Nesse reboliço, moças desiludidas pela idade avançada ou por noivos abandonadas, faziam a experiência da faca na bananeira. No dia seguinte estava o nome, direitinho, do escolhido. Só nada viam, além de nódoas, as que não houvessem procurado o seu predileto. Pela sorte, eram lidos versos, de acordo com o número escolhido. E todos aguardavam com atenção o resultado. O candidato infeliz era criticado. 


Numa bacia branca colocava-se água e, ao clarão da vela, os menos nervosos iam verificar lá no fundo a cara da sua cara. Às vezes, tinha-se impressão, o que devia acontecer aos outros, que não fossem meus, os olhos que estavam a me olhar. Havia quem temesse não ver a sua figura na água ali posta. Era morte certa ao que não visse o seu rosto lá no fundo da bacia. O que não visse bem visível, adoeceria gravemente. Lendas eram contadas sobre o que seria possível conseguir de São João nas suas noites. Coisas terríveis. O candidato arriscando-se a enfrentar os perigos e peripécias que se lhe aparecessem, tornar-se-ia perito na execução de qualquer instrumento musical. Tocaria por pauta, como diziam.


Precisava manter-se firme nos seus propósitos, não dando sinal de fraqueza. O que não quisesse seguir essa carreira podia tornar-se valente como ninguém. O seu corpo não seria atingido por cacete, faca ou bala. Devia ir ao local em que as estradas se cruzassem, à meia-noite em ponto. Ali aguardava o aparecimento do “Capeta” e com ele trocava umas rasteiras. Ai daquele que desse sinal de moleza ao ver o diabo! Uma semana seria insuficiente para limpar os vestígios desse recuo.


Apareciam os primeiros sinais do novo dia que ia raiar com o quebrar da barra. Parecia uma grande faixa, cobrindo o clarão do sol. Daí por diante, as brincadeiras iam se arrefecendo, até a conclusão final, com a retirada do povaréu para as suas casas. Para arrematar as festividades, os mais fervorosos ainda soltavam alguns foguetes de alta explosão. Era o “bomba real”, como chamavam. 


Terminavam assim os festejos de São João, guardando-se como relíquias, em lugar próprio, restos de madeiras e cinzas das fogueiras, que seriam empregados para aplacar a natureza nas tempestades. Ao amanhecer, a terra estava coberta por um grande manto de fumaça cor de neve que se estendia à nossa vista, envolvendo as elevações como que encerrando os festejos de São João.


*Escrito por Dídimo Gonçalves Guerra em 1948