Subscribe:
.

domingo, 13 de novembro de 2016

PAÍS: No Brasil, a conta da saúde fica com a prefeitura

Cresce, ano a ano, a participação dos municípios no financiamento da saúde brasileira – hoje, eles respondem por mais de 30% do investimento público no setor. E estão sobrecarregados
Manuelina Cassimiro,de 75 anos, em sua casa. Ela aprendeu a tomar remédio contra hipotireoidismo com a ajuda de agentes comunitários (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
De ÉPOCA
charlesnasci@yahoo.com.br

O município brasileiro de Américo Brasileiro, no interior de São Paulo, é uma cidade pacata e pequena, encravada em meio a canaviais. Tem meros 40 mil habitantes, casas térreas e ruas vazias durante os dias úteis, quando todos trabalham e poucas pessoas passeiam. É uma cidade como várias outras no Brasil. Como vários outros municípios brasileiros, Américo Brasiliense também carrega um desafio: oferecer serviços de saúde de qualidade para toda a sua população. Américo está entre as cidades brasileiras que mais investem em saúde em proporção da própria receita: aplicou, em 2015, 35% das receitas municipais no setor. 

É bastante. A lei determina que as cidades devem aplicar, no mínimo, 15%. Mas é insuficiente. Américo é uma cidade pequena que arrecada poucos impostos. Os 35% destinados à saúde, significativos para o orçamento municipal apertado, não bastam para atender a todas as necessidades da cidade. Em Américo, as contas sobrecarregadas da prefeitura não conseguem bancar a necessária expansão da atenção básica: aquele ramo de serviços de saúde que são oferecidos nas Unidades Básicas de Saúde e por agentes que circulam pelas casas da população, procurando conhecer seus problemas e prevenir doenças. Essa dificuldade cria um círculo vicioso – quanto menos doenças consegue prevenir, mais doenças Américo precisa tratar. Quanto mais doenças Américo trata, menos dinheiro tem para investir em prevenção.

ÉPOCA visitou Américo Brasiliense para tentar entender como o município lida com suas restrições orçamentárias. O caso de Américo não é único no Brasil. Desde que o SUS foi criado, há 28 anos, cresceu a responsabilidade das cidades pelo financiamento do Sistema. Financiar a saúde é responsabilidade compartilhada pelas três esferas de governo: pelas cidades, estados e municípios. Em 28 anos de SUS, no entanto, diminuiu a parcela de recursos que o governo federal planejava, originalmente, destinar à Saúde. Em 1988, a Constituição previa que fossem usados, na Saúde, 30% do orçamento da Seguridade Social (formado pela soma de contribuições como o PIS, Programa de Integração Social, e o Pasep, Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público). 

Em 1992, durante o governo Collor, essa determinação foi descumprida. Desde então, o percentual de 30% nunca foi aplicado. “Em 28 anos de SUS, nunca tivemos financiamento adequado”, diz Arthur Chioro, professor da Universidade Federal de São Paulo e ex-ministro da Saúde durante o governo Dilma Rousseff. A participação federal no financiamento da saúde pública minguou. Em 1991, a União respondia por 73% e os municípios por 12%. A população aumentou e envelheceu, os gastos aumentaram, mas o investimento federal não cresceu no mesmo ritmo. Em 2015, a União respondeu por 43% do investimento público em saúde e os municípios por 31%. Inverter essa situação, e criar condições para que cresça a cobertura de atenção básica no país, vai exigir mais investimentos federais para o setor – e melhorias de gestão, para que o dinheiro seja bem aplicado.

Hoje – e pelos próximos anos – o volume de recursos federais destinados à saúde é calculado com base em uma percentagem das receitas líquidas da União. Com receitas em baixa, em meio à crise, é difícil aumentar investimentos. Mas, em momento de crise, priorizar o investimento em saúde é algo essencial: em tempos assim, as pessoas perdem seus empregos e a cobertura de planos de saúde privados. Ter recursos para prevenir males, em lugar de medicá-los, é mais que necessário.