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segunda-feira, 3 de abril de 2017

João Dória, o prefeito espetáculo

Em três meses à frente de São Paulo, João Doria Jr. criou a marca do poder em cena, sempre em movimento. Seu início frenético será capaz de quebrar a inércia do setor público?
GESTÃO COMPARTILHADA: João Doria Jr., prefeito
de São Paulo, em pessoa e em um celular. Em três
 meses na prefeitura, ele tuitou 290 vezes
(Montagem s/fotos de: Filipe Redondo/ÉPOCA)
De ÉPOCA
charlesnasci@yahoo.com.br

É domingo à noite e você está assistindo a sua série favorita no Netflix. Lá pelas tantas, meio que por acaso, você dá de cara com uma live do prefeito varrendo o lixo deixado pelos bloquinhos de Carnaval. Você acha aquilo curioso, simpatiza com a cena, toma mais uma taça de vinho e vai dormir. No dia seguinte, acorda cedinho e lá está ele, animadíssimo, saindo para dar uma “incerta” no posto de saúde da Vila Maria, com o relógio ao fundo marcando 5h55.
É o prefeito espetáculo. Seu melhor exemplo, por óbvio, é João Doria. Mas não é o único. A onipresença da mídia levou ao extremo um traço antigo da política: o do “poder em cena”, da política como teatro e imagem. Vem daí Obama fazendo graça com Jimmy Fallon no Tonight show, ou Justin Trudeau esbanjando seu charme “feminista”. Ou mesmo José Mujica, o ex-presidente “mais pobre do mundo”, com sua casinha de um quarto, a cadela de três patas e o velho Fusca 1978. E por óbvio há Trump, fazendo tudo ao contrário, ainda que com um sentido muito parecido. Nosso prefeito espetáculo capturou a tendência. Criou seu personagem. 

Em um tempo em que todos falam da falta de recursos e da “herança maldita” deixada pelos antecessores, ele não reclama. Olha para a frente e vai buscar recursos no setor privado. Corta despesas, manda vender os carros da prefeitura e suspende a impressão do Diário Oficial. Um político tradicional escutaria algum assessor dizendo que “a despesa é pequena, não vale o desgaste”. O prefeito espetáculo vai na contramão. Ele sabe do efeito na opinião pública. Sabe reconhecer isso como um ativo. As pessoas estão cansadas da palavra “crise” e eventualmente querem um líder que olhe para a frente. 

O prefeito espetáculo funciona como uma resposta à inércia do nosso setor público. Numa época em que os problemas do serviço público parecem se arrastar, as filas não cedem nos postos de saúde e o Ideb não avança nas escolas públicas, ele mostra que é possível resolver alguma coisa todos os dias. Num dia é a acessibilidade dos cadeirantes, com o “calçada nova”, no outro é a parceria com o McDonald’s para empregar moradores de rua. Enquanto o pessoal da assistência social discutia, durante anos, o que fazer com os moradores de rua, o prefeito espetáculo vai lá e anuncia um curso de “capacitação emocional” de 40 horas e abertura de vagas para quem se dispuser a trabalhar.
É óbvio que há aí o risco da improvisação. Da promessa mal dimensionada que pode render perda de credibilidade mais adiante. Tome-se o exemplo das creches públicas. A cidade tem um déficit de 65 mil vagas, que o prefeito promete zerar em 12 meses. Em vez de ir pedir dinheiro em Brasília, mobiliza empresários e celebridades. Em uma noite de segunda-feira, com o ministro da Educação algo incrédulo a seu lado, lota o Theatro Municipal com gente boa disposta a doar parte de seu Imposto de Renda para o Fundo da Criança e do Adolescente.

A música de fundo é o hino da vitória de Ayrton Senna e o clima é de mobilização da sociedade, ainda que feita pelo governo. Seria fácil dizer que se trata de um jeito meio heterodoxo de financiar creches públicas, ou ainda que a meta é ousada demais. De fato é. O ponto é que ele prefere arriscar. A alternativa seria escutar os especialistas, esperar um pouco mais e quem sabe decidir tudo “democraticamente”. O problema é que tudo isso não deu certo, no passado. E o mandato é antes de tudo uma corrida contra o tempo.

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