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| Noé Souto Maior Barbosa (1953-2025) |
Da FOLHA DE S.PAULO - Adriano Alves
charlesnasci@yahoo.com.br
Juazeiro (BA) - As letras de mestre Noé da Ciranda, único cirandeiro do agreste de Pernambuco, não só animam as festas, contam suas memórias. São recordações de quem cresceu em Surubim (PE) rodeado de cultura popular. Via a família dançando coco e ciranda no terreiro. Criativo desde pequeno, fazia bonecos de barro e carrinho de lata. Uma vez montou um circo em frente à casa, que durou apenas três dias, mas deixou lembranças por toda a vida.
Os sonhos de menino precisaram ser adormecidos para assumir cedo responsabilidades. Era uma família humilde de 13 irmãos, então foi um dos que saíram para buscar sustento. Adolescente, se mudou para Recife para tomarconta dos cavalos de um cônsul americano. O trabalho árduo era narrado por ele como um alívio. Dizia ter sido uma salvação à necessidade que passava. Para conseguir viajar, a mãe precisou desmanchar um vestido para fazer sua roupa e usou sandálias de correia.
Foi na capital que conheceu mestres cirandeiros, como Antônio Baracho, e despertou a memória afetiva. De volta a Surubim, ficou conhecido pelo ofício de pedreiro. Ajudou a construir parte da cidade, como casarões e igrejas. "Se você chegasse na casa dele, ele tinha uma história pra contar. Era um senhor cheio de vida, em todo canto estava fazendo festa, andando pra cima e pra baixo", diz a neta Kailah Rebeca Souto Maior, 24.
Já com 33 anos, resolveu fazer sua própria ciranda. Em 1986, formou um grupo instrumental. Mesmo só tendo estudado até a quinta série, tinha dom para escrita e começou aulas de canto. Foram quase quatro décadas à frente da Ciranda Rosa Branca. Lançaram nove CDs com 117 músicas, além de muitas escritas e guardadas em sua memória.
Sua ciranda animava as principais festas da cidade, como o Carnaval, e rodou diversos festivais nacionais. "Isso permitiu que ele fosse mais conhecido como artista. Era um talento nato, admirado por todos. A questão do improvisar nas rimas era uma coisa que o diferenciava", afirma a filha Cristiana Maria, 48.
O mestre também escrevia poesias e cordéis, tudo a mão. Parte da inspiração vinha da feira livre, que frequentava religiosamente aos sábados. Após a morte de seu pai, no ano passado, transformou sua casa no Ponto de Cultura Terreiro da Casa Onde Eu Nasci. Noé morreu em 30 de setembro, aos 72 anos, em decorrência de um câncer de estômago. Deixa a mulher, Luzia, 68, filhos netos e bisnetos.



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