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quinta-feira, 10 de março de 2011

Memória III: Crônica sobre o carnaval inspirou adaptação cinematográfica

O curta-metragem "Passarelas..." (foto) é uma adaptação livre da crônica "Clube dos Chaleiras", um belíssimo e histórico relato de como se brincava o carnaval em nossa cidade no início do século 20 (Foto: Divulgação)

DA REDAÇÃO DO +CASINHAS.COM

charlesnasci@yahoo.com.br 

A crônica intitulada “Clube dos Chaleiras”, do advogado e ex-prefeito de Surubim Dídimo Gonçalves Guerra (i.m.), foi o texto que inspirou este blogueiro a elaborar um roteiro com adaptação livre para a telona. 

Escrito por Guerra nos idos da década de 50, foi publicado pela primeira vez num memorial feito em sua homenagem organizado por sua filha e colaboradora deste blog, a professora Diva Guerra Brandão, onde o mesmo relata uma grande aventura vivida por ele próprio quando criança no carnaval da cidade de Casinhas, em 1905! 

Eu, particularmente, sou apaixonado pelo texto e confesso que não gostei muito do resultado final do projeto a que me propus... Bom, mas se o vídeo não ficou lá grande coisa, o texto, nesses dias de rei momo, merece ser conhecido e apreciado pelos amigos leitores do blog: 

Clube dos Chaleiras

Parece-me existir na retina ou no cérebro, que não sei bem explicar, chapa fotográfica que grava certos fatos passados, tão nítidos, como se estivessem ocorrendo no momento em que deles nos lembramos. Os que mais nos chamam a atenção são aqueles que nos causam impressão, especialmente no tempo em que somos meninos e por mais que se distanciem, não desaparecem da nossa mente. Relatarei nesta crônica um deles.

Por volta de 1905, conheci o primeiro clube carnavalesco e com a denominação de Clube dos Chaleiras, organizado no então povoado de Casinhas. Para dar nome ao clube cada folião conduzia numa vara fina raspada uma chaleira de flandre. Tinha como orquestra: flautas, sanfona, rabeca e violão. Lembro-me apenas que a rabeca era tocada por José Rufino. O certo, porém, é que durante os dias de brincadeira, o instrumental era o mesmo, como as músicas. Nada variava.

Esta organização teve como principal cabeça Mariano Farias, com a cooperação de Tobias Almeida, Teófilo Leite e outros, o que serviu para demonstrar como os dias do Rei Momo eram festejados nos centros adiantados e podiam ter uma imitação até em Casinhas. Cometia pecado mortal naquela época a pessoa que, direta ou indiretamente, tomasse parte em folias carnavalescas ou auxiliasse aos que brincavam. Por isso, pouca gente tomava parte direta nos trabalhos do clube.

Como todo menino gosta de apreciar a tomar parte nas coisas perigosas, eu, embora pequeno, comecei a assistir ao movimento dos foliões e tomei gosto, ao ponto de, na segunda-feira, ao organizarem uma troça com o fim de angariar dinheiro para auxiliar nas despesas, saí com outros meninos a acompanhar a brincadeira. Quase todos os companheiros de brincadeira infantil voltaram ao sair do povoado. 

Entretanto, distraindo-me um pouco, distanciei alguns quilômetros e quando pensei em voltar, não me foi possível, porque já me achava em lugares nunca andados. Tive assim que submeter-me às exigências do percurso que a troça havia designado, percorrendo as localidades Boi, Serra do Canto e Oratório. Esse percurso fiz, não posso negar, muito a contragosto, temendo as conseqüências quando regressasse à casa, desde que não havia comunicado nada ao meu pai.

Nestas andarelas, não posso afirmar quanto foi arrecadado. O que tenho lembrança é que, parte dela, serviu para a compra de lanche, composto por bolachas, rapaduras e açúcar bruto, distribuídos entre os excursionistas. Arregalei-me com essa alimentação, ativando o apetite pelo exercício que havia feito nas voltas e reviravoltas que a troça fazia. 

Quando foi se aproximando o regresso, a preocupação do castigo que esperava sofrer fez-me perder o gosto que de princípio animou-me. Peguei-me com santos de minha devoção, especialmente Nossa Senhora das Dores, padroeira da Igreja de Casinhas, para que meu pai dispensasse a falta cometida. Operou-se o milagre. Fui atendido. Apenas houve advertência a não cometer outra falta.

Parece-me que tudo isso tenha ocorrido ontem, quando já são decorridos cinqüenta e dois longos anos. Período para mais de duas gerações. Entretanto, quando passo a relembrar o passado, vejo aquelas cenas como se fossem no momento. Sempre que deixo Casinhas com destino a Oratório, ao subir a ladeira em que morou Joaquim Noberto, um cidadão meio coxo e moreno, vêm-me à lembrança os episódios da troça carnavalesca de 1905, com os foliões de chapéu de palha, caras pintadas e roupas exóticas. De chapéu, sempre estive preparado, desde que era usado por mim naquela época. Talvez tenha sido esse o motivo que me levou a praticar a desobediência que falei.

Embora continuasse a residir em Casinhas até o ano de 1909, em agosto, levados pelas circunstâncias, tivemos que emigrar para o Tambor e não tive mais o prazer de ver outro clube ali organizado. O que me parece é que, com o Clube dos Chaleiras, encerrou-se a brincadeira carnavalesca no povoado de Casinhas. Sem dúvida, não teve ali outros seguidores. Terminou com Mariano Farias, Teófilo Leite e Tobias Almeida que tão cedo a morte os levou, deixando-nos tão somente saudades.


Por Dídimo Gonçalves Guerra. Surubim, 8 de setembro de 1957
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